Como a pandemia de covid-19 afeta o valor (valuation) das empresas pequenas e médias no Brasil

No artigo anterior, falamos sobre os momentos de euforia e o pânico causados pela pandemia de covid-19 o efeito sobre o valor das empresas.

Vimos também como a pandemia de covid-19 afeta o valor das empresas de diferentes portes e como o mercado de ações foi da euforia ao pânico diante da crise sanitária.

Neste artigo vamos falar sobre o como a pandemia de covid-19 afeta o valor de empresas pequenas e médias no Brasil.

Para você entender melhor, vamos discutir se a partir do método de valuation é possível determinar os impactos da crise a partir de três fatores muito relevantes e relacionados com a valorização das empresas:

  1. Valorização das empresas pelo efeito oferta-demanda
  2. Valorização das empresas por fundamentos
  3. Expectativa de resultados futuros de uma empresa.

Continue lendo para saber mais!

Fatores que influenciam o valor de uma empresa

Se você leu o nosso post anterior, você deve se lembrar quais são e como os três fatores citados determinam os impactos da crise.

Caso você não se lembre muito bem, (você pode ler a parte 1 clicando aqui), não se preocupe. Vamos relembrar quais são os fatores que influenciam diretamente no valor das empresas.

Veja a seguir quais são eles.

A valorização das empresas pelo efeito oferta-demanda ocorre quando um grande volume de dinheiro pretende investir nas mesmas ações disponíveis no mercado. E isso faz os preços das ações desta empresa subirem.

Já a valorização das empresas por fundamentos se refere à saúde financeira da empresa. Este aspecto inclui suas receitas, crescimento, estrutura de custos, margens, dívidas, histórico de resultados, cumprimento de promessas, dividendos pagos aos acionistas, etc.

Outro fator relevante é a expectativa de resultados futuros de uma empresa, que se refere ao que a empresa pode ser. Isso sigunufica que resultados passados não garantem resultados futuros, embroa sejam uma ótima indicação.

O impacto da expectativa de resultados futuros é uma combinação de histórico, vantagens competitivas, expectativas macroeconômicas, credibilidade da gestão e risco.

Também podemos dizer que é uma combinação entre a expectativa de retorno financeiro versus o risco de atingimento ou não dos resultados esperados.

Agora vamos analisar como cada um destes três fatores afetam o valor de uma pequena ou média empresa no Brasil durante a pandemia de covid-19. Vamos também descobrir como o método de valuation captura (ou não) os impactos de cada fator.

1.Valorização das empresas pelo efeito oferta-demanda

Empresas de capital fechado não têm ações em bolsa e teoricamente estão imunes aos impactos destes movimentos de forte entrada ou forte saída de capital dos mercados acionários. Correto?

Bem, não exatamente.

Ao mesmo tempo que o excesso ou a falta de investidores influenciam imediatamente o valor das ações em bolsas de valores, a quantidade disponível de pessoas dispostas a investir em um novo negócio influencia uma variável importante no cálculo de valor de uma empresa: a liquidez.

Imagine que você decida vender a sua empresa hoje e ela tenha o valor de R$ 1.000.000,00.

Agora vamos assumir que a venda desta empresa leve 6 meses. Se sua empresa estivesse na bolsa de valores e tivesse liquidez imediata, você teria o valor imediatamente em suas mãos. No caso de você demorar 12 meses para vender a sua empresa, o seu dinheiro ficará parado por 12 meses.

E agora compare alguém que tem R$ 1.000.000,00 na mão e compre títulos do tesouro brasileiro pré-fixados e que pagam 7,30% ao ano.

Enquanto você vai demorar um ano para receber seus R$ 1.000.000,00, a pessoa que investiu esta quantia num investimento de risco extremamente baixo já tem R$ 1.073.000,00, ou 7,3% a mais.

É por esse motivo que quando avaliamos uma empresa incluímos um “prêmio de liquidez”. Esse “prêmio” é equivalente ao custo do capital em relação ao tempo médio que se leva para vender uma empresa.

O impacto no prêmio de liquidez

O “prêmio de liquidez” pode ser impactado de duas formas:

Finalmente temos o efeito clássico de relação oferta-demanda também no valor das empresas.

A sua empresa pode valer R$ 1.000.000,00, mas devido à crise muitos empresários com negócios similares ao seu e com valores semelhantes podem decidir vender ao mesmo tempo que você.

O que pode acontecer é que apesar da sua empresa valer R$ 1.000.000,00, um potencial comprador irá encontrar empresas similares oferecidas com desconto. Isso vai te levar a também oferecer um desconto para não perder uma oportunidade de negócio.

Considerando essas duas variáveis, as empresas de médio e pequeno porte, em geral, perderam valor com a pandemia de covid-19.

2.Valorização das empresas por fundamentos

Os fundamentos de uma empresa são importantíssimos na determinação do valor da mesma.

Para sabermos se a pandemia fez a sua empresa valorizar ou desvalorizar no que é relativo aos seus fundamentos, temos que entender como a pandemia afetou os seus resultados.

Suas despesas aumentaram para se adaptar aos “novos tempos”? Seu faturamento aumentou ou caiu? Seu lucro aumentou ou caiu?

Quem sofreu ou se beneficiou mais da situação? Foi você ou seus concorrentes?

Cada empresa tem suas características próprias e é atingida de forma diferente. Alguns setores foram fortemente atingidos e milhares de empresas estão quebrando.

Os setores mais atingidos neste momento de crise foram os de entretenimento e turismo como bares, restaurantes, agências de eventos, agências de turismo e companhias aéreas.

As dificuldades geradas pela falta de clientes afetam não só a situação de caixa atual, como muitas vezes comprometem a lucratividade futura. Afinal, muitas empresas estão sendo obrigadas a contrair grandes dívidas para sobreviver.

Seguramente, essas empresas estão sentindo uma forte deterioração dos seus fundamentoe e naturalmente estão perdendo boa parte do seu valor.

Por outro lado, alguns setores estão crescendo em ritmo acelerado devido à crise causada pela pandemia de covid-19 como marketing digital, delivery, entretenimento on-line, computadores portáteis, etc.

Estas empresas vivenciaram forte aumento de demanda, preços melhores, margens melhores e resultados muito melhores e consequentemente o valor delas aumentou.

A sua empresa certamente perdeu algum valor devido ao primeiro fator, ou seja, pelo efeito oferta-demanda.

Apesar da perda de valor devido ao primeiro fator, existem outros fatores que podem alterar o valor da sua empresa para cima ou para baixo. O segundo fator que pode alterar o valor da sua empresa são os fundamentos.

Para saber como e se isso aconteceu ou não, é necessário entender como a crise afetou os fundamentos da empresa. Em períodos de crise, a desvalorização pode ter sido maior do que se esperava, ou mesmo pode ter ocorrido alguma valorização.

No entanto, dependendo de como a crise afetou os fundamentos da empresa a desvalorização pode ter sido até maior, do mesmo modo que pode até mesmo ter ocorrido alguma valorização.

3.Expectativa de resultados futuros de uma empresa

Finalmente chegamos à variável de maior impacto no valor das empresas: a capacidade de geração de riquezas futuras.

Para mensurar a capacidade da empresa de gerar riquezas futuras, utilizamos o método chamado de Fluxo de Caixa Descontado (ou FCD). Este é o método mais aceito para avaliação de empresas.

Para saber mais sobre esta metodologia adaptada para pequenas e médias empresas, clique aqui.

Para você entender um pouco a aplicação deste método, vamos dar um exemplo:

Podemos estimar o valor de uma empresa somando a expectativa de fluxo de caixa que vai ser gerada no futuro e trazer essa riqueza futura ao valor presente, utilizando uma taxa de desconto.

Além do mais, se o valor da empresa é função dos seus resultados futuros, para saber o quanto o valor mudou com a pandemia de covid-19, temos que tentar estimar o quanto a pandemia mudou o futuro da empresa.

O caso das companhias áreas

Um bom exemplo em relação ao fator expectativa é o valor de uma companhia aérea. Quanto mais tempo as restrições durarem, piores serão os resultados futuros destas empresas.

Da mesma forma, quanto mais rápido voltarmos à normalidade, mais rápida será a recuperação e mais cedo veremos o valor das empresas aéreas voltarem a patamares próximos do período anterior à crise.

Mas é provável que essas empresas terão um valor abaixo do que já tiveram, porque o endividamento geral do setor aumentou muito e isso será descontado do resultado futuro.

Vejam a semelhança de comportamento do valor das ações das empresas Azul e GOL desde o início de 2020 até 19 de agosto:

          AZUL4                                             GOLL3

Observe que a cada má notícia em relação ao número de óbitos ou contaminados as ações destas empresas caem e a cada boa notícia como a queda nos óbitos ou expectativa de uma vacina, as ações sobem. Isso acontece porque o mercado projeta quase que automaticamente um futuro melhor ou pior para o setor em função do adiantamento ou adiamento da volta à normalidade.

Os setores ligados a turismo e entretenimento sofrem variações similares.

O comportamento da variação das ações destas duas empresas também é muito similar, o que indica que as ações estão sendo muito mais impactadas por fatores externos do que pelos fundamentos de cada uma.

Os setores afetados pela crise: queda e recuperação

Temos setores também que foram fortemente afetados pela crise, como o automotivo e que aos poucos vai retornando a patamares melhores.

Sobre os setores mais afetados pela pandemia, será que eles voltarão a ser como eram?

Famílias que possuem dois automóveis e que usaram muito pouco seus veículos em períodos de home office vão se desfazer de um dos veículos?

As empresas que adotaram home office voltarão em sua totalidade aos escritórios?

Aproveitando a deixa, será que as empresas que lucram com salas comerciais terão a mesma demanda de antes, agora que o mundo todo está mais adaptado ao home office?

Talvez o mercado para alguns setores jamais volte a ser como era antes da crise.

Na outra ponta, temos indústrias farmacêuticas (algumas), empresas de tecnologia, marketing digital, delivery e outras muito beneficiadas com a crise.

Vamos agora ver o caso da Netflix, empresa beneficiada durante a crise da covid-19.

O caso da Netflix

O exemplo clássico desse grupo de empresas que se saíram bem durante a crise é a Netflix. O serviço de streaming teve milhões de novos usuários aderindo a seus planos e aumentou fortemente suas receitas e lucros.

Obviamente a Netflix perderá parte desses novos clientes quando tudo voltar ao normal.

A questão é: quantos dos novos clientes irão continuar a usar o serviço?

Provavelmente uma parcela considerável irá permanecer. Dessa maneira, o futuro da empresa mudou para melhor e se mudou para melhor, seu valor aumentou.

Veja o comportamento das ações da Netflix do início de 2020 até 19 de agosto:

Ações da Netflix do início de 2020 até 19 de agosto de 2020.
Comportamento das ações da Netflix do início de 2020 até 19 de agosto de 2020. Fonte: http://www.yahoo.com/finance

Note que a Netflix perdeu valor no pior momento da crise devido ao efeito oferta-demanda, mas logo o mercado percebeu que esta seria uma das empresas que sairia fortalecida devido às mudanças nos hábitos de consumo das pessosas.

A Netflix vale hoje cerca de 40% mais do que valia no início de 2020.

A Netflix é uma empresa global. E o que acontece com as pequenas e médias empresas neste cenário? Continue lendo para descobrir.

Como ficam as empresas pequenas e médias?

O efeito observado em grandes empresas com ações em bolsa não é tão impactante no curto prazo no processo de avaliação de pequenas e médias empresas.

Contudo, os princípios que fazem com que as ações tenham essa grande oscilação, valem da mesma maneira para qualquer investidor que intenciona adquirir parte ou totalidade de uma empresa de capital fechado de qualquer porte.

E como isso altera a avaliação de uma empresa?

Quando avaliamos uma empresa construímos um DRE (Demonstrativo de Resultados) futuro, pois essa prática nos permite estimar a geração futura de caixa para então trazer toda essa riqueza futura ao valor presente.

Para isso, utilizamos uma taxa de desconto que reflita um retorno satisfatório em relação ao risco que o investidor está correndo.

Em tempos de incerteza a taxa de desconto tende a ser mais alta. E ao descontar os resultados futuros, o resultado presente seja inferior e o valor da empresa em consequência seja menor, o método é aplicado para reduzir os impacto de situações momentâneas.

É evidente que o impacto na taxa de desconto existe, embora ele não seja muito grande.

O maior impacto, porém, é em relação à projeção de resultados futuros da sua empresa.

Quando você projeta os próximos 5 anos de resultados para sua empresa e compara com uma projeção que você teria feito em janeiro de 2020, a expectativa de geração de lucro no futuro está melhor, igual ou pior?

Se estiver igual, sua empresa perderá um pouco de valor devido à taxa de desconto maior. Por esse motivo talvez seja melhor esperar um pouco para que a aversão ao risco diminua antes de tentar vendê-la.

Obviamente, se sua projeção futura está pior do que antes, sua empresa perdeu valor proporcionalmente ao que perdeu de capacidade de gerar riquezas. Se seu fluxo de caixa piorou ou se sua dívida aumentou, você vai levar mais para se recuperar.

Certamente um investidor que comprasse o seu negócio demoraria mais tempo para ter o retorno adequado, ou teria uma remuneração menor sobre o capital investido. Portanto, você vai ter que baixar o preço se quiser vender.

Por outro lado, se a perspectiva futura está melhor, o capital investido será mais bem remunerado e o valor da empresa certamente subiu.

Existe também um quarto fator: gestão

Existem outros fatores que podem fazer muita diferença neste momento e o principal deles é em relação à sua gestão durante esta crise em comparação com empresas similares e concorrentes.

Vamos usar novamente as empresas aéreas como exemplo.

Sabemos que muitas empresas não irão sobreviver, mas sabemos também que o mercado de aviação não vai deixar de existir e muito provavelmente voltará aos mesmos níveis de antigamente.

As empresas que estavam mais vulneráveis certamente terão mais chance de quebrar. Já as empresas que conseguiram fazer uma gestão melhor das suas finanças, provavelmente irão sobreviver.

Quando olhamos para o futuro e imaginamos a demanda que existia antes da crise combinada a um menor número de empresas aéreas, podemos deduzir que as empresas sobreviventes terão um expressivo ganho de market share e talvez sejam avaliadas por valores até maiores do que no período antes da crise.

E quanto à sua empresa? Sua gestão foi melhor ou pior do que seus similares e concorrentes? Sua empresa vai sair dessa crise mais forte ou mais fraca que eles?

Concluindo, o valor da sua empresa certamente variou pra cima ou para baixo em função do mercado, do efeito demanda e oferta, dos impactos nos fundamentos e do meio em que ela está inserida, entre outros fatores.

De qualquer forma, a sua gestão pode fazer uma grande diferença no quanto ela valerá daqui pra frente.

Sobre o autor: Nicolai Krogh é diretor da NeoVolution Consultoria e responsável pelas áreas de Marketing, Gestão Estratégica de Negócios e Avaliação de Empresas.

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