Parte 1: da euforia ao pânico

Atualizado em 13 de agosto de 2020

No início de 2020, o Brasil e o mundo demonstravam otimismo econômico, notadamente no mercado de ações, surtindo momentos de euforia e, consequentemente o valor das empresas foi elevado.   

Porém, o que parecia ser uma epidemia restrita ao território chinês, rapidamente se espalhou pelos países próximos e em pouco tempo, casos da nova doença começaram a surgir em escala global.

Assim, o pânico tomou conta dos investidores e o valor das ações caiu, pois a pandemia de covid-19 obrigou o mundo a quarentena, afetando fortemente a produção e o comércio global.

Quais serão os reais efeitos da pandemia de covid-19 no valor das empresas?

Para entender como a pandemia de Covid-19 afeta o valor das empresas (valuation), você vai conferir neste artigo:

Vamos lá?

O otimismo econômico e a euforia no mercado de ações em janeiro de 2020

Em janeiro de 2020, o Brasil e o mundo viviam momentos de otimismo econômico e euforia no mercado de ações.

O índice IBOVESPA batia recorde atrás de recorde, ou seja, recorde nominal, sem correção pelo dólar ou inflação, beirando os 120.000 pontos.

O índice Dow Jones também batia recorde acima de 29.000 pontos e o índice S&P 500 também estava na máxima histórica a 3.380 pontos.

Embalados pelas baixas taxas de juros e pelo alto retorno das ações, novos investidores entraram no mercado aceitando um risco maior em troca de um retorno maior.

Da mesma maneira, antigos investidores aumentaram ainda mais a sua parcela de investimentos em renda variável. Alguns fatores contribuíram para este momento de euforia no mercado financeiro. Veja quais foram.

1.Valorização das empresas pelo efeito oferta-demanda

Nestes momentos de maior otimismo econômico observamos a valorização das empresas pelo simples efeito oferta-demanda. Isso ocorre porque existe mais dinheiro querendo adquirir as mesmas ações disponíveis no mercado, portanto, o valor destas empresas aumenta.

É o mesmo princípio que faz variar o preço de commodities como petróleo, minério de ferro, soja, papel, etc., ou produtos agrícolas.

Por exemplo, quando há uma super safra de feijão, o preço do produto tende a cair, pois há mais produto no mercado do que o consumo médio e da mesma forma, quando há uma quebra de safra por problemas climáticos, o preço tende a subir, pois há escassez do produto.

Vimos recentemente um caso interessante em relação à proteína animal.

Um surto de peste suína africana na China provocou o abate de mais de 130 milhões de porcos, reduzindo a produção chinesa em cerca de 30%. Você pode conferir a informação neste link.

Como a produção de suínos não se recupera do dia para a noite, houve um forte aumento na demanda chinesa para suprir a produção perdida e consequentemente houve aumento de preços da carne suína por todo o planeta.

Desta forma, com o aumento do preço da carne suína, boa parte dos consumidores migraram para outras proteínas animais, provocando também aumento nas carnes bovina e de aves.

2.Valorização das ações por fundamentos

As ações passaram por valorização devido ao momento econômico.

Com o crescimento econômico as empresas vendem mais, lucram mais, pagam mais dividendos, geram mais riqueza e aumentam o seu valor.

Isto é o que se chama de “fundamentos de uma empresa”.

Muitos investidores analisam e selecionam empresas com base em dados como:

Os investidores fundamentalistas analisam os demonstrativos financeiros de empresas contra seus pares para escolher as que consideram mais preparadas para vencer e ter suas ações valorizadas.

3.Expectativa de valor futuro das ações de uma empresa

Se há um otimismo em relação ao crescimento de uma determinada empresa, espera-se que esta gere mais riqueza a cada ano.

Dessa maneira, a expectativa de valor futuro aumenta e consequentemente, as suas ações são valorizadas.

Assim, se há uma expectativa positiva em relação à economia é natural que a expectativa em relação às empresas também seja positiva.

A expectativa explica como empresas com resultado atual negativo podem ter valores extremamente altos.

Isso acontece porque o investidor está de olho não apenas no que a empresa é hoje, mas também no que ela pode ser num futuro não muito distante.

Um bom exemplo de valor versus expectativa é a indústria automobilística.

Veja alguns exemplos:

Os gráficos abaixo mostram um comparativo entre Tesla e Ford:

Vamos esclarecer: o mercado tem uma grande expectativa positiva em relação ao futuro da Tesla e o sentimento exatamente oposto em relação à Ford e GM.

Será que estas grandes montadoras não serão capazes de se transformar e impor uma forte concorrência à Tesla?

O mercado parece apostar que não.

Temos, portanto, três fatores que embora não sejam os únicos, interferem significativamente no valor de uma ação:

Mesmo com toda a euforia e otimismo com a valorização das empresas, o mundo não pode evitar o pânico que viria a seguir.

Veja o que aconteceu no início de 2020.

O mundo em janeiro de 2020: a chegada do vírus

Em janeiro de 2020, o mundo enfrentava problemas sérios e mostrava sinais de desaceleração econômica global. Veja a seguir o que gerava intensas discussões no cenário internacional:

No Brasil, ocorriam as eternas brigas entre Executivo e Congresso, além da polarização política que ficou mais aguda nos últimos anos.

Entretanto, nada disso era suficiente para mudar o otimismo do mercado.

Eis que surge um vírus altamente contagioso e de letalidade relativamente alta em relação aos vírus causadores das gripes comuns: o novo Coronavírus SARS CoV-2, causador da Covid-19.

Vamos relembrar: em 31 de dezembro de 2019 a China informou a OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre os primeiros casos. Em 30 de janeiro a OMS declarou Emergência Internacional e em 11 de março de 2020, foi declarada pandemia pela OMS.

Vamos ver como a chegada da covid-19 impactou o mercado financeiro.

O impacto nas bolsas de valores

Num primeiro momento, o problema parecia restrito à China e os impactos nas bolsas começavam a ser sentidos sobretudo nas empresas com alta dependência do mercado chinês.

No caso das empresas de commodities, o menor crescimento global reduz a demanda por estes produtos, consequentemente seus preços caem e finalmente impacta no lucro das empresas do setor.

Com o passar do tempo, a situação da China agrava-se e a COVID-19 começa a se espalhar pelos países vizinhos, atingindo fortemente Coreia do Sul e Japão.

O temor de um menor crescimento global e o medo de que o vírus se espalhasse pelo mundo faz as bolsas caírem ainda mais.

Dia após dia as notícias foram piorando, mais e mais países eram atingidos. Situações caóticas na Itália e Espanha trouxeram pânico ao mercado financeiro global devido ao medo de longos períodos de quarentena e recessão global.

Além de todo este cenário extremamente difícil, temos um fator extra: a incerteza.

Qual o real tamanho da crise? Quanto tempo irá durar?

Quantas pessoas ficarão desempregadas? Quantas empresas irão falir?

Para tentar entender melhor estas questões, vamos falar sobre a queda das ações.

Por que as ações caíram tanto?

Analisando sob a perspectiva do primeiro fator que é o volume investido no mercado de ações, observamos que em momentos de crise há uma fuga de capitais em busca de proteção, instala-se um fluxo fortemente vendedor, que encontra poucos investidores dispostos a aumentar sua exposição ao risco.

Esse desequilíbrio entre oferta e demanda faz com que o preço das ações caia de forma acentuada e isto faz disparar algoritmos de investidores e fundos que indicam risco de queda maior ainda.

Assim, o volume vendedor aumenta e faz com que a queda seja ainda mais dramática, provocando um efeito bola de neve.

Ao longo das últimas semanas de março, a insegurança em relação ao futuro aumentou e a fuga de capitais da bolsa acelerou, contribuindo fortemente para a queda no valor das empresas.

O segundo fator trata dos fundamentos das empresas e explica porque empresas como Azul, Gol e CVC perderam cerca de 80% do valor.

Veja mais alguns exemplos de empresas que tiveram queda no seu valor:

Os analistas avaliam como a crise irá impactar os fundamentos de cada uma dessas empresas e é claro que empresas ligadas ao transporte aéreo e turismo tendem a sofrer muito mais do que as demais.

Temos ainda o caso da Petrobrás, fortemente impactada pela queda nos preços do petróleo.

Já Braskem e a BRF, que são empresas altamente endividadas em dólar e que podem ter dificuldades em honrar suas dívidas e manter o caixa saudável.

No outro extremo temos empresas que podem até se beneficiar de uma crise como essa. Afinal, elas têm receita recorrente garantida ou atuam em mercados que tendem a se expandir com a crise.

Veja exemplos de empresas que podem se expandir:

Além dos exemplos citados acima, também consideramos a pouca desvalorização de empresas com situação financeira saudável.

As empresas com a situação financeira em ordem terão mais fôlego para sobreviver ao período de crise.

Os fundamentos explicam, portanto, porque algumas empresas se desvalorizaram mais ou menos do que outras neste cenário devastador.

Para você entender melhor, apresentamos um bom exemplo que é o caso da valorização das ações da empresa aérea Azul.

Em 19 de março de 2020 a ação da empresa chegou a valer R$ 8,74 e sete dias depois bateu em R$ 16,54, e já estava em torno de R$ 21,00 em meados de agosto.

Veja abaixo o gráfico das ações empresa aérea Azul S.A. (AZUL4) em 2020 para entender melhor esta informação.

Gráfico demonstrativo da valorização das ações da empresa aérea Azul. Fonte: http://www.yahoo.com/finance

O que esperar do futuro?

Uma vez que o estrago está feito, o que vai direcionar o valor das ações é a expectativa de recuperação e até de sobrevivência das empresas.

No caso das empresas aéreas, o valor está sendo fortemente impactado para cima e para baixo pelas variáveis que podem determinar seu futuro, como aumento ou redução das restrições de viagens, anúncios do governo de ações para socorrer as empresas, ações globais de estímulo à economia, etc.

O principal fator que vai direcionar o valor das ações nas próximas semanas é justamente a expectativa. Em dias de euforia, as empresas mais desvalorizadas tendem a subir mais e aquelas mais “protegidas” tendem a subir menos e o efeito inverso também será visto nos dias de pessimismo.

Um imenso estrago econômico global já está “precificado” nas ações ao redor do mundo, e a expectativa em relação às ações de estímulo dos governos e às restrições de circulação de pessoas irá determinar a direção do valor das empresas.

Uma perda de controle da pandemia num país como os Estados Unidos pode prejudicar ainda mais o cenário atual, como também o avanço nos tratamentos pode indicar um encurtamento das restrições e consequentemente um menor impacto na economia global.  

São muitas variáveis significantes e com alto grau de incerteza, o que explica momentos de extrema euforia alternados com momentos de pânico generalizado.

Vidas estão sendo perdidas nos hospitais e vidas serão perdidas em caso de forte recessão global.

Diferentes governos têm diferentes visões e tomam ações diferentes, mas quem acertar o momento de inflexão (também conhecido como fundo do poço), certamente ganhará muito dinheiro, ou pelo menos poderá recuperar boa parte do que perdeu.

O mundo não é mais como era no início de 2020 e certamente será bem diferente daqui a 6 meses. Só nos resta torcer para que a crise seja breve e que os custos social e econômico não sejam tão severos.

Na Parte 2, veremos o impacto na avaliação de empresas privadas de pequeno e médio portes. Aguarde!

Sobre o autor: Nicolai Krogh é diretor da NeoVolution Consultoria e responsável pelas áreas de Marketing, Gestão Estratégica de Negócios e Avaliação de Empresas.

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